Yorranna Oliveira

Achei a imagem aí de cima pesquisando no Google. E ela define perfeitamente um pouco do que eu sou e da proposta do blog: tem de tudo um pouco, e um pouco de quase tudo o que gosto. Aqui você vai encontrar sempre um papo sobre música, cinema, comunicação, literatura, jornalismo, meio ambiente, tecnologia e qualquer outra coisa capaz de me despertar algo e a vontade de compartilhar com vocês. Entrem e divirtam-se!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Retorno às raízes


Fotos: Renato Reis

As mangueiras de Belém voltam a escutar, neste sábado (17), os altos decibéis da banda Madame Saatan. A trupe - composta por Sammliz Lages (voz), Ícaro Suzuki (baixo), Edinho Guerreiro (guitarra) e Ivan Vanzar (bateria) - se apresenta na capital em show único e inédito “A volta de Madame Saatan”, no palco do African Bar. No evento, eles mostram a potência do som, que lhe valeu o Prêmio Dynamite, de Melhor Álbum de Heavy Metal, a mais importante premiação da música independente no Brasil.

Promovido pela Roquenrou Entretenimentos, o show faz parte do Circuito Roquenrou, responsável por sacudir a cena musical da cidade até fevereiro de 2009. E contará ainda com a presença das bandas “Johny Rock Star”, “Baby Loyds” e “Clube da Vanguarda Celestial”, além da participação especial de Jayme Catarro, do Delinquentes.

Mais do que um encontro com o público local, “ A volta de Madame” simboliza a celebração da banda ao lado dos amigos e fãs pelas conquistas de 2008. Ao mesmo tempo que marca a fase de transição, somada ao amadurecimento no trabalho dos músicos. “É uma grande festa, feita para comemorar todas as coisas boas que aconteceram nesse ano que passou”, diz Edinho.

Vivendo em São Paulo desde fevereiro de 2008, eles trazem os frutos dos dez meses de intensas atividades. Madame percorreu o país com participações em festivais independestes. Foi eleita banda revelação pela audiência da MTV Brasil, desbancando nomes como Mallu Magalhães e Katty Pery. O videoclipe da música “Vela”, gravado durante as comemorações do Círio de Nazaré em 2007, sob a direção da cineasta Priscilla Brasil, estreou na primeira posição do TOP 10 do MTV Overdrive, tirando o posto de Britney Spears. O clipe, agora, integra a programação da emissora musical. “Devorados”, clipe anterior gravado na Vila da Barca, também foi destaque no MTV Overdrive e no canal pago Multishow.

A satisfação com o reconhecimento nacional, vem acompanhada da imensa saudade da terra. Segundo o baixista Ícaro, tocar para as pessoas de Belém tem uma magia própria, só encontrada aqui. “Nossa! A gente sente muita falta daqui e principalmente do calor do público, que se contagia com o som logo nos primeiros acordes. Sentimos falta de tudo, das pessoas, da comida, estamos comendo o quanto podemos para não esquecer o gosto, o sabor de Belém. Se a gente pudesse, estaria aqui sempre, a cada três meses, mas infelizmente não dá. Ainda temos muita estrada pela frente”, destaca Ícaro.


O começo
No final de 2002, o diretor de teatro Paulo Santana convidava Sammliz e Ícaro para tocarem a trilha sonora do espetáculo “Ubu, uma odisséia em Bundalêlê”, adaptação do texto “Ubu roi” da obra de Alfred Jarry. Germinava ali, as primeiras sementes do Madame e o começo de uma verdadeira escola musical. “Sammliz, Zé Mário (ex-integrante) e eu conhecemos o Edinho numa espécie de festival de música na Assembléia Paraense, já o Ivan, encontramos tocando em barzinhos pela noite e o chamamos para banda”, conta Ícaro.

“O espetáculo do Paulo foi uma experiência incrível, porque as cenas se desenrolavam e íamos tocando ao vivo no decorrer da peça. E para chegar a esse acompanhamento, nós ensaiávamos direto, por quase oito horas diárias, durante três meses. Isso serviu para gente aprender a trabalhar o nosso som, a relação pessoal de grupo. Fora o fato de tocar ao vivo num espetáculo, até hoje nunca fizemos nada parecido. Ainda pensamos em repetir a dose com o Paulo, quem?!”, destaca Edinho.

No mês de maio de 2003, o espetáculo estreava e Madame ia junto. Em 2004, a banda lançou a demo “O tal do caos”, reunindo cinco composições, entre elas, algumas feitas para a montagem de Paulo Santana. O primeiro disco da banda, lançado em 2007, traduz nas dez faixas a trajetória do Madame Saatan. Desde “Apocalipse”, parte da trilha sonora do espetáculo teatral, até “Ele queima, ela sorri”, canção composta dias antes da banda entrar em estúdio. “Tivemos um mês de pré-produção, passando as músicas exaustivamente com os toques de Alcir Meireles que assina a direção musical do disco e quando foi em outubro de 2006, entramos em estúdio e gravamos tudo em uma semana”, explica Ícaro.


Sonoridade
Sob referências sonoras dos deuses do rock como Led Zeppelin, Black Sabbath, Metallica e da diversidade da música brasileira, Madame Saatan construiu sua identidade musical. Somadas a essas influências, a banda aproveitou a riqueza dos ritmos da região onde nasceu e mesclou ao repertório. O resultado da mistura Ícaro resume: “É diversidade e liberdade de experimentar. A partir daí as composições vai surgindo naturalmente”.

Essa música diversificada e libertária produzida pela banda será vista no show deste sábado. O repertório terá canções já conhecidas dos fãs, que misturam-se às novas, reflexo dos dez meses fora de casa, na luta pela consolidação do rock paraense no mercado nacional.

SERVIÇO
Circuito Roquenrou apresenta: A volta de MADAME SAATAN
Sábado, 17 de janeiro, 21h - AFRICAN BAR
Mais: Johny Rockstar, Baby Loyds e Clube de Vanguarda Celestial
Participação: Jayme Katarro (Delinquentes)
Ingressos Antecipados: Centrais Iguatemi, Castanheira, Brás, Lojas Ponto I e Central Motos
Realização: Doutromundo Discos
Produção: Roquenrou Entretenimento
Promoção: Bis Promoções e Eventos
Apoio: BelRock.com.br, JovemPan, ESP guitars, Ná Figueredo,Paulo Tattoo, Fábrika Studio e Abelhuda

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Nas linhas da literatura

Foto: Luciano Guedes

Ruas estreitas calçadas por paralelepípedos, casarões antigos bem conservados ou relegados ao abandono. Recanto boêmio onde se concentram as misturas culturais de Belém. Por seus encantos, o bairro da Cidade Velha desperta fascínio nos corações mais sensíveis. E abriga em seus prédios, históricos, moradores apaixonados ou simplesmente habituados com a vida e o ritmo próprios do lugar. Esse recanto, que na verdade parece mais um universo à parte na metrópole, ganhou as páginas do livro“Cidade Velha, Cidade Viva.” O título reúne em 153 páginas os artigos produzidos pelos alunos da “Oficina Escola de Escritores”. Uma parceria entre a Associação Cidade Velha – Viva, o Grupo de Memória da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal do Pará (UFPa), e a Fundação Curro Velho.

Na obra, passado e presente se encontram. Os escritores apresentam o bairro, ao leitor, sob três aspectos: a Cidade Velha na atualidade, na memória e na história. O exemplar começa em pleno século XXI com os relatos da fotógrafa Walda Marques - dona de um dos bares mais charmosos da região, a Taberna de São Jorge ou Bar da Walda. Daí por diante, a narrativa volta no tempo e chega até a Belém de 1616, através de pesquisas em arquivos e livros feitas pelos escritores, e especialmente por meio da memória oral dos moradores mais antigos do local. Memória resgatada com a série de entrevistas realizadas.

Mesmo quem nunca morou no bairro mais antigo da capital, virou personagem do livro. Foi o caso de seu Arthur Ataíde, entrevistado por um dos escritores da escola, Diego Sabádo. Durante mais de 20 anos, o motorista de táxi conduziu o cantor e compositor Ruy Barata de volta a sua casa, na rua Veiga Cabral. As duas décadas de convivência e amizade são contadas no artigo de Diego “Quando o poeta Ruy Barata foi morador da Cidade Velha”. Apenas três páginas registram as recordações do taxista. Chega a ser uma artimanha perversa do autor, pois acaba-se o texto e fica a vontade de continuar nas lembranças de seu Arthur. Em seguida, sair correndo em seu encalço para proseguir a conversa iniciada no livro.

Processo
Lançado no último domingo(11), “Cidade Velha, Cidade Viva” faz parte do esforço conjunto da presidente da Associação do Moradores da Cidade Velha, Dulce Roque, amigos, colaboradores, do professor Oswaldo Coimbra, da UFPa - ministrante da aulas da oficina e editor do livro, e dos 19 alunos da Escola de Escritores.

Dona Dulce, 61, conta o desenvolvimento do trabalho com carinho e a sensação de dever cumprido. Segundo ela, ver a obra acabada, impressa, nas mãos dos leitores concretiza o sonho de ver preservada e retratada cada nuance da Cidade Velha. Na sala de sua casa, localizada em frente a Praça do Carmo(no bairro protagonista da obra, claro), Dulce Roque esmiuça o 'parto' que foi o livro.

“O projeto começou em maio de 2008, depois de uma palestra dada pelo professor Oswaldo no Fórum Landi, no mês anterior. Na época, ele falou sobre o desejo de montar um projeto que pudesse atender pessoas com talento e gosto pela escrita. Pedi a palavra e falei sobre a vontade de fazer algo que mostrasse a nossa Cidade Velha. Passamos, então, a conversar e pensar no projeto. Enfrentamos dificuldades, como falta de dinheiro para financiar o livro. Tivemos a ajuda de amigos e dos associados da Associação. Por isso, ver a obra em mãos, pronta, acabada é como um filho depois de nove meses de gestação e todas as dores do parto. Mas, fico muito satisfeita com o resultado”, afirma Dulce.


Os novos escritores, revelados pelo livro, vieram de uma seleção de 130 inscritos. No mês de junho, 20 vagas foram abertas e a qualidade dos textos acabou selecionado 37, dos quais só 19 ficaram até o fim. As aulas da oficina aconteciam todos os sábados do meses de julho, agosto e setembro, numa das salas da Casa da Linguagem, sob o comando de Oswaldo Coimbra.

Jornalista formado pela "escola das redações”, trabalhou por décadas na grande imprensa paulista. “Queria montar uma oficina que oferecesse condições a pessoas talentosas desenvolverem seu dom e terem espaço para mostrá-lo. Formar escritores de narrativas não-ficcionais, um gênero cada vez mais em voga na literatura. Aos poucos, alunos de outras oficinas entraram no projeto. Os de fotografia, desenho, pintura e xilogravura com as imagens e ilustrações da Cidade Velha. O livro se tornou um estímulo ao aparecimento de novos escritores, capazes de construir textos primorosos como os de Diego Sabádo, para mim o melhor artigo já feito sobre Ruy Barata”.


Serviço: O livro Cidade Velha, Cidade Viva pode ser adquirido no site da Associação da Cidade Velha pelo endereço eletrônico: www.civviva-cidadevelha-cidadeviva.blogspot.com ou na rede Fox Vídeo Locadora.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Texto do Neto, diretor de criação e sócio da Bullet, sobre a crise mundial.

"Vou fazer um slideshow para você.
Está preparado?

É comum, você já viu essas imagens antes.
Quem sabe até já se acostumou com elas.
Começa com aquelas crianças famintas da África.
Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele.
Aquelas com moscas nos olhos.

Os slides se sucedem.
Êxodos de populações inteiras.
Gente faminta.
Gente pobre.
Gente sem futuro.

Durante décadas, vimos essas imagens.
No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.
Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados.
São imagens de miséria que comovem.
São imagens que criam plataformas de governo.
Criam ONGs.
Criam entidades.
Criam movimentos sociais.

A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza.
Ano após ano, discutiu-se o que fazer.
Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta.

Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo.
Resolver, capicce?
Extinguir.
Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta.

Não sei como calcularam este número.
Mas digamos que esteja subestimado.
Digamos que seja o dobro.
Ou o triplo.
Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.

Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse.
Não houve documentário, ONG, lobby ou pressão que resolvesse.
Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1..5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia. Bancos e investidores.

Como uma pessoa comentou, é uma pena que esse texto só esteja em blogs e não na mídia de massa, essa mesma que sabe muito bem dar tapa e afagar.
Se quiser, repasse, se não, o que importa?

O nosso almoço tá garantido mesmo...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Pelas ruas de Belém....

Que tal passear por alguns das principais ruas do Centro Histórico de Belém de um jeito diferente? Em vez de explorá-las a pé ou de carro, por que não ir de bondinho, acompanhado (a) de uma guia turística que vai lhe contar as histórias das construções, das ruas e praças em que ele passar. Tudo pela simbólica quantia de R$ 1,00. Foi isso que Jackson Ribeiro de Souza fez com a mulher e a filha na manhã deste domingo (4), ao andar pela primeira vez no único bondinho movido a biodiesel do Brasil.

"Viemos de Parauapebas passar o Ano Novo com nossos parentes de Belém. Eles sugeriram que viessímos visitar o bondinho, que seria muito interessante. Eu pensei que não funcionava isso aqui e fiquei muito feliz de saber, estou adorando", disse o auxiliar de segurança, Jackson.

Durante os 30 minutos que dura o passeio, ecologicamente correto, os passageiros fazem uma viagem no tempo. São convidados a imaginar como viviam os habitantes dos séculos XIX e XX da Belém do glamour, do requinte e urbanização trazidos pela Bélle Époque. Numa cidade, onde havia cerca de 170 bondes para atender à população local.

O bondinho de Belém foi inaugurado em 12 de outubro de 2007 e construído com todos os traços de um bonde original. Desde então, circula pelas ruas do Comércio e da Cidade de Velha. Transporta moradores da cidade e turistas do mais variados lugares do Pará, do Brasil e do mundo. "Quando tem eventos na capital dá muito paraense, muita gente daqui da capital mesmo. Mas, quando não tem nenhuma programação o maior número de passageiros vem de outros estados e países", afirma a guia turística do bondinho, Rosângela Martins.

Todos os domingos e feriados, de 9 às 13 horas e de 13 às 18 horas, o bondinho sai da estação, localizada na Avenida Portugal, sobe a rua João Alfredo até o largo das Mercês, e refaz o mesmo itinerário de volta. Em seguida, passa pela praça Dom Pedro II e segue para o destino final no Forte do Presépio e volta à estação.

Nesse intervalo, a guia conta as peculiaridades de cada lugar do trajeto. Na João Alfredo, ela narra o surgimento dos primeiros hotéis de Belém, as características arquitetônicas dos prédios e continua sua tarefa até o fim da excursão.

Apesar da estação a princípio ser o ponto de partida do passeio, muitos passageiros sobem no decorrer do caminho. No entanto, quem pega a viagem pela metade não fica sem explicação. O motorneiro (condutor do bonde) refaz o caminho e ninguém perde os detalhes do percurso.

Memória

Mecâncio Naval e Piloto Naútico nos demais dias da semana, Josué Oliveira, 53 anos, reserva seus domingos e finais de semana a conduzir o bondinho. Ao som de muito carimbó e outras composições da Música Popular Paraense, seu Josué relembra de momentos engraçados a frente do veículo. Há um ano e três meses no bondinho, ele se utiliza da experiência em sistemas de comando à distância e como piloto de iates, barcos e navios para manter e conduzir o veículo.

"Ele anda em dois sentidos, como não faz curva já houve situações muito engraçadas quando o conduzia. Os motoristas de Belém não estão acostumadas a ver um bonde trafegando e não como agir no trânsito. Muitas vezes param no meio do trilho, mas o bonde não pode fazer curva, ele só segue a linha do trilho. Nessa hora, tenho que descer e pedir para eles irem por outro caminho, porque eu não posso ir por outro lugar", explica o motorneiro.

Apaixanado pelo trabalho, seu Josué conhece como poucos o funcionamento e tudo que envolva o bonde. Aponta fatos históricos, pontos atuais de seu mecanismo e mostra orgulho na hora de falar sobre a profissão.

"Esse é um modelo original , igual aos que circulavam no século passado. Embora os historiadores digam que foi o Rio de Janeiro a primeira cidade do Brasil a ter um coletivo como este, na realidade Belém é que detem o título. Nossa cidade ganhou seu primeiro bonde em 1893. Pesquisei muito a respeito. No dia da inauguração, falei com pessoas que chegarama a andar nos bondes de antigamente. Nós tínhamos seis estações de bonde em em 1893. Pesquisei muito a respeito. No dia da inauguração, falei com pessoas que chegarama a andar nos bondes de antigamente. Nós tínhamos seis estações de bonde em Belém: Mercados de São Brás, Marco, Santa Luzia [atual Santa Casa], Reduto, Avenida Portugal e Largo da Polvóra, hoje Praça da República", destaca Josué.

Bastidores

Mantido com a taxa cobrada pelos passeios, o bondinho economizar energia com conversão do motor para biodiesel. Além de ser ecologicamente correto, o biocombustível facilita as cerca de 12 viagens realizadas aos domingos ou feriados do transporte. "Existem certos pontos dos trilhos bastante complicados, em especial nas subidas. Na energia elétrica era difícil subir, o motor não aguentava, não tinha potência para superá-las. O motor a biodiesel é mais potente, ele consegue dar conta de fazer as subidas, sem riscos de acidente", explica Josué.

Fora os roteiros habituais, no Carnaval o bondinho ganha nova função. Nesse período, o veículo fica todo enfeitado e em parceria com o produtor de eventos "Caveira" acontece o Arrastão de Carnaval, que agita o Centro Histórico sob o ritmo das marchinhas carnavalescas, e ao lado de brincantes fantasiados.

Por momentos assim, Josué Oliveira renova o prazer e a satisfação pelo que faz. Segundo ele, ver as pessoas encantadas com a magia do passeio e conhecendo parte da história de Belém, dá um gostinho todo especial no trabalho. "Certa vez um turista português andou comigo e começamos a conversar sobre as diferenças daqui e de lá. Ele me disse que lá, em Portugal, os carros pagam taxa bem cara para circular, por isso as pessoas preferem andar de bonde pela cidade.É, de fato, um veículo de circulação e locomoção. O turista português ficou muito feliz de ver o nosso modelo e como estava conservado", relembra Oliveira.

domingo, 4 de janeiro de 2009

O velho que renova

Por Yorranna Oliveira e Gleidson Gomes

No centro da periferia de Icoaraci, a cerca de 20 km de Belém, na famosa Feira de Artesanato do Paracuri, uma personagem que já é folclórica se destaca em meio ao comércio de cerâmica. Dona Socorro, uma senhora de 49 anos, com fortes traços indígenas, camuflados pelos cabelos tingidos de castanho, trabalha na esquina da sexta rua com a Soledade, vendendo livros e revistas usados numa barraca de madeira, coberta por uma lona.

O trabalho de Socorro Albuquerque começa cedo. Moradora do Jurunas, sai de sua casa às 5h30 todos os finais de semana e feriados rumo a Icoaraci. Depois de pegar dois ônibus, chega à Vila Sorriso por volta das 7h30 e inicia uma rotina que já dura dez anos.

Essa história começa em 11 de agosto de 1998, quando a vendedora teve a idéia de colocar dez livros entre as roupas e sapatos usados. Com o tempo percebeu a procura cada vez maior pelos livros, daí abandonou à venda dos outros artigos. “Comecei colocando dez livros, aí as pessoas começaram a se interessar, a encomendar e eu dava o meu jeito de arrumar”, diz Socorro.

Da República de Emaús vem a maioria dos livros e revistas, comprados em sacas no valor de três a cinco reais. A outra parte é obtida por meio da troca e de doações de clientes. As revistas são vendidas por R$1,50, os livros variam de R$ 1,00 a R$ 7,00, dependendo do preço em Belém e do estado de conservação. Fora a capacidade de pechinchar do cliente. “Vou em Belém, pesquiso, e os livros que tão caros lá, eu vendo mais barato aqui. É uma forma de cativar os clientes, pra que eles sempre voltem”, afirma. E eles voltam mesmo. Atraídos pela simpatia de dona Socorro, pelo preço e pela variedade.

Na barraca, podem ser encontrados clássicos da literatura nacional,como Machado de Assis, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Fernando Sabino, José de Alencar, Caio Fernando Abreu - o repórter Gleidson Gomes, adquiriu em excelente estado, “Morangos Mofados”, por apenas R$ 1,50. E autores internacionais como Virginia Wolf, Morris West, Agatha Christie, James Joyce, Honoré de Balzac, Dostoiévski, Oscar Wilde, Truman Capote e Nietzsche, fora as literaturas específicas e as revistas, passando por Playboy, Caros Amigos, Super Interessante, Galileu, Época, Isto É, Veja, Bravo e Cult.

O serigrafista Gabriel Lisboa, 21, freqüentador assíduo há três anos da barraca da “Help” - como alguns a chamam, conheceu o local, como muitos, pela indicação de amigos. “Venho aqui todo final de semana. Gosto de comprar revista de quadrinhos e história. Além de ser o único local de Icoaraci que tem essas coisas, o preço também é bom”, diz.

O público da “Help” varia de advogados, médicos, professores, estudantes em geral, turistas, donas-de-casa e simples trabalhadores, como o senhor Francisco Sales, 43, pedreiro. “Ia passando um dia e vi a barraca. Parei pra dá uma olhada nas revistas de arquitetura. As revistas são caras nas bancas, aqui ela vende barato. O salário é pouco”, conta.

Uma década de convivência, transformou clientes em amigos. Segundo Socorro, essa relação é que a motiva a continuar seu trabalho. A barraca já lhe rendeu muitas histórias, como o casamento entre dois clientes que se conheceram no local. “Antes eles não se encontravam, porque vinham em dias diferentes. Até que um dia deu certo. Eles começaram a conversar, e no outro final de semana se encontraram de novo, aí marcaram encontro de namoro, né? E eu só ouvindo. E nisso eles foram, e sempre vindo aqui. Depois de um tempo marcaram o casamento e me convidaram pra ser madrinha. Não pude ser porque tinha um compromisso. Mas eles fizeram questão de trazer o bolo do casamento pra mim”, relembra.
Outra história construída é a de um cliente que aos poucos montou sua biblioteca particular graças aos livros adquiridos no sebo. Fatos assim, enchem Socorro de alegria, por participar de alguma forma da vida dessas pessoas. “Um cliente meu chegou um dia e disse pra mim: ‘Dona Socorro, eu tô construindo minha biblioteca graças a senhora’. Eu fiquei feliz de ouvir isso. Ser responsável por ele tá montando a biblioteca dele com o meu trabalho, isso me deixa feliz, faz com que eu tenha força pra vir pra cá, e continuar trabalhando”, declara.

Com um acervo de mais de 3.700 exemplares entre livros e revistas, a vendedora afirma que seu faturamento não passa de R$ 50,00 semanais. Quantia muitas vezes consumida com o pagamento do aluguel do local onde armazena os livros e alimentação, voltando para casa apenas com o dinheiro da passagem. Ela ainda faz doações do material para a Igreja do Livramento e para a escola Liceu de Artes e Ofícios Mestre Raimundo Cardoso, ambas em Icoaraci.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Paixão pela arte


Foto: Antônio Cícero

O jeito alinhado de se vestir e a fala mansa, quase metódica de apresentar seus trabalhos, em nada insinuam a veia transgressora do artista plástico Acácio Sobral. Paraense, filho de portugueses, Acácio foi criado para conduzir os negócios da família, o Curtume Sobral Irmãos. Mas a vida de empresário não o impediu de se dedicar intensamente à arte.

"Nunca deixei o artista de lado. A arte sempre esteve presente na minha vida, tanto que usava minhas férias para pintar e experimentar materiais. Os finais de semana deixava de passar com meus filhos para ficar no meu ateliê", conta Sobral.

Durante muito tempo, ele viveu entre a responsabilidade de substituir o tio no mundo dos negócios e a vontade de se entregar somente à produção artística. Desde menino, o artista já demonstrava interesse pelo tema. No entanto, nunca teve apoio da família para desenvolver seu talento. "Na escola, passei a me destacar pelos meus desenhos. As pessoas diziam que eu deveria seguir a carreira. Meu tio, também chamado Acácio, por outro lado não queria. Ele desestimulava, porque o meu destino era sucedê-lo. Pra ele, isso não dava futuro, era coisa de marginal", lembra.

A morte da mãe, quando Acácio Sobral tinha seis anos, aflorou a necessidade de expressão, e serviu como válvula de escape para os sentimentos que lhe atormentavam. "Quando minha mãe morreu, fiquei muito fragilizado. Toda vez que algo me incomodava, ou sofria algum tipo de pressão, eu baixava a cabeça e começava a rabiscar. Isso era um mecanismo de defesa", conclui.

Trabalho
Em 1996, Acácio abandonou o ramo empresarial, onde ganhou prestígio e respeito pela atuação eficiente na empresa da família. Amigos, parentes e colegas de profissão tinham certo receio de que as atividades artísticas atrapalhassem a imagem do administrador bem-sucedido. Contudo, quem olha para o homem de 1,60 m, com o ar sério e de uma personalidade marcada pelo senso de organização, jamais o ligaria ao estereótipo reservado aos artistas, taxados como "marginais", "desleixados" e "vagabundos". "Eu procurei me desvencilhar do perfil equivocado em relação ao artista. Um amigo veio me parabenizar uma vez, porque eu tinha mudado a visão dele a respeito. Sempre tive orgulho de me apresentar como artista e esse elogio só veio agregar valor à profissão", ressalta.

Na sala de sua casa, onde quadros, objetos, imagens e outros objetos de trabalho decoram o ambiente, Sobral mostra cuidadosamente o processo de concepção de cada obra. Aponta um quadro na parede, uma instalação no teto e explica como chegou até ali. Origens, influências, heranças e pesquisas entram no diálogo do artista plástico com a arte.

De família de curtidores, o material usado no curtume como a pele de cobra e jacaré, inspirou a instalação "Despachos". Espalhados pela residência, tiras penduradas em vários cantos do lugar, lembram as cobras da Amazônia, onde o autor homenageia a fauna e o folclore da região. As "cobras", nada mais são do que os tecidos portugueses, herdados das tias. Neles, pecados de couro se unem à técnica da encáustica, ao barro e assim por diante.

O encontro
A produção de Acácio emergiu na década de 1970. Nesse período, apresentou seu primeiro trabalho, na Pré-Bienal de São Paulo. Depois vieram inúmeras exposições, individuais e coletivas. Daí percorreu galerias e museus do Rio de Janeiro, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Manaus, Amapá, Maranhão, Ceará, Estados Unidos e Alemanha.

No início da carreira, deixou de lado a tinta óleo e o estigma da imitação de outros mestres das belas artes. Nas pesquisas e experimentos tentava distanciar-se da influência recorrente aos grandes nomes como Picasso e outros. "Eu procurava algo autêntico. Queria deixar de lado a tinta óleo. Quando comecei, pegava uma pintura, uma imagem e reproduzia. Mas, aos poucos fui me encontrando. Nessa busca, na qual usei meu autodidatismo, e um dia usei uma vasilha de margarina com aguarrás para limpar a tinta dos pincéis. Aí, percebi a dilatação da vasilha. Foi daí que nasceu, mesmo, o artista. Passei a derreter o plástico, a experimentar a resina plástica. Derretia copos de liquidificador e plastificava panos. A resina manifestou minha primeira forma de expressão realmente autêntica", afirma Sobral.

Matéria-prima nas criações de Acácio, a resina plástica acompanhou seu trabalho até meados da década de 90. O amigo Osmar Pinheiro, arquiteto e pintor - já falecido -, idealizador do ateliê de Sobral, lhe apresentou a técnica da encáustica. A técnica virou ponto referencial na obra do artista, junto ao uso das linhas, traço constante cada vez mais presente nos últimos trabalhos de Acácio. Em 2004, conquistou o grande prêmio do XXIII Salão Arte Pará, repetindo o feito de 1995, por uma vídeo instalação sobre o processo artístico e o uso da imagem de um tirador de espinhos.

Na técnica da encáustica, onde cera de abelha, parafina, carnaúba, cascos de árvores e outros elementos são utilizados, Sobral acrescentou a anilina (corante), dando novo aspecto às obras, com a imersão de cor e vida. Detalhes trabalhados sobre as ranhuras concebidas na cera. O resultado é um trabalho conceitual e totalmente diferente das produções mais convencionais.

"Foi a quebra total. O distanciamento de vez das influências dos movimentos artísticos habituais", destaca.

Aliança teórico-prática
Muito da atual linha seguida por Acácio, também se deve a teoria adquirida na prática e na Pós – Graduação em História e Memória da Arte, pela Unama, em 2001. Durante o curso, ele pode aperfeiçoar e se aprofundar nas experimentações com a encáustica.

Sempre no estudo e pesquisa, em 2002, o artista publica o livro "Movimentos Iniciais do Abstracionismo no Pará", pelo Instituto de Artes do Pará.

Atualmente "Fotografias com interferências", inaugura a nova fase do artista plástico. Ao se apropriar de imagens e fotografias de diversos autores e personagens. O momento para subverter a ordem e transgredir as regras mais uma vez. "Tudo o que me chama atenção, me provoca alguma reação, me desperta algum sentimento, eu interfiro através das linhas. Faço traços por cima dessas imagens de revistas, livros, quadros, o que for e me aproprio, criando outra obra. Mas, agora as linhas se tornaram mais livres, ao contrário de antes, quando utilizava o traço mais reto, formal e padronizado. A liberdade criadora transforma a obra em algo com a expressão de minha identidade", acrescenta.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Feliz Ano Novo (Rubem Fonseca) *

Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no reveillon. Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber tinham vendido todo o estoque.

Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros.

Pereba entrou no banheiro e disse, que fedor.

Vai mijar noutro lugar, tô sem água.

Pereba saiu e foi mijar na escada.

Onde você afanou a TV, Pereba perguntou.

Afanei, porra nenhuma. Comprei. O recibo está bem em cima dela. Ô Pereba! você pensa que eu sou algum babaquara para ter coisa estarrada no meu cafofo?

Tô morrendo de fome, disse Pereba.

De manhã a gente enche a barriga com os despachos dos babalaôs, eu disse, só de sacanagem.

Não conte comigo, disse Pereba. Lembra-se do Crispim? Deu um bico numa macumba aqui na Borges de Medeiros, a perna ficou preta, cortaram no Miguel Couto e tá ele aí, fudidão, andando de muleta.

Pereba sempre foi supersticioso. Eu não. Tenho ginásio, sei ler, escrever e fazer raiz quadrada. Chuto a macumba que quiser.

Acendemos uns baseados e ficamos vendo a novela. Merda. Mudamos de canal, prum bang-bang, Outra bosta.

As madames granfas tão todas de roupa nova, vão entrar o ano novo dançando com os braços pro alto, já viu como as branquelas dançam? Levantam os braços pro alto, acho que é pra mostrar o sovaco, elas querem mesmo é mostrar a boceta mas não têm culhão e mostram o sovaco. Todas corneiam os maridos. Você sabia que a vida delas é dar a xoxota por aí?

Pena que não tão dando pra gente, disse Pereba. Ele falava devagar, gozador, cansado, doente.

Pereba, você não tem dentes, é vesgo, preto e pobre, você acha que as madames vão dar pra você? Ô Pereba, o máximo que você pode fazer é tocar uma punheta. Fecha os olhos e manda brasa.

Eu queria ser rico, sair da merda em que estava metido! Tanta gente rica e eu fudido.

Zequinha entrou na sala, viu Pereba tocando punheta e disse, que é isso Pereba?

Michou, michou, assim não é possível, disse Pereba.

Por que você não foi para o banheiro descascar sua bronha?, disse Zequinha.

No banheiro tá um fedor danado, disse Pereba. Tô sem água.

As mulheres aqui do conjunto não estão mais dando?, perguntou Zequinha.

Ele tava homenageando uma loura bacana, de vestido de baile e cheia de jóias.

Ela tava nua, disse Pereba.

Já vi que vocês tão na merda, disse Zequinha.

Ele tá querendo comer restos de Iemanjá, disse Pereba.

Brincadeira, eu disse. Afinal, eu e Zequinha tínhamos assaltado um supermercado no Leblon, não tinha dado muita grana, mas passamos um tempão em São Paulo na boca do lixo, bebendo e comendo as mulheres. A gente se respeitava.

Pra falar a verdade a maré também não tá boa pro meu lado, disse Zequinha. A barra tá pesada. Os homens não tão brincando, viu o que fizeram com o Bom Crioulo? Dezesseis tiros no quengo. Pegaram o Vevé e estrangularam. O Minhoca, porra! O Minhoca! crescemos juntos em Caxias, o cara era tão míope que não enxergava daqui até ali, e também era meio gago - pegaram ele e jogaram dentro do Guandu, todo arrebentado.

Pior foi com o Tripé. Tacaram fogo nele. Virou torresmo. Os homens não tão dando sopa, disse Pereba. E frango de macumba eu não como.

Depois de amanhã vocês vão ver. Vão ver o que?, perguntou Zequinha.

Só tô esperando o Lambreta chegar de São Paulo.

Porra, tu tá transando com o Lambreta?, disse Zequinha.

As ferramentas dele tão todas aqui.

Aqui!?, disse Zequinha. Você tá louco.

Eu ri.

Quais são os ferros que você tem?, perguntou Zequinha. Uma Thompson lata de goiabada, uma carabina doze, de cano serrado, e duas magnum.

Puta que pariu, disse Zequinha. E vocês montados nessa baba tão aqui tocando punheta?

Esperando o dia raiar para comer farofa de macumba, disse Pereba. Ele faria sucesso falando daquele jeito na TV, ia matar as pessoas de rir.

Fumamos. Esvaziamos uma pitu.

Posso ver o material?, disse Zequinha.

Descemos pelas escadas, o elevador não funcionava e fomos no apartamento de Dona Candinha. Batemos. A velha abriu a porta.

Dona Candinha, boa noite, vim apanhar aquele pacote.

O Lambreta já chegou?, disse a preta velha.

Já, eu disse, está lá em cima.

A velha trouxe o pacote, caminhando com esforço. O peso era demais para ela. Cuidado, meus filhos, ela disse.

Subimos pelas escadas e voltamos para o meu apartamento. Abri o pacote. Armei primeiro a lata de goiabada e dei pro Zequinha segurar. Me amarro nessa máquina, tarratátátátá!, disse Zequinha.

É antiga mas não falha, eu disse.

Zequinha pegou a magnum. Jóia, jóia, ele disse. Depois segurou a doze, colocou a culatra no ombro e disse: ainda dou um tiro com esta belezinha nos peitos de um tira, bem de perto, sabe como é, pra jogar o puto de costas na parede e deixar ele pregado lá.

Botamos tudo em cima da mesa e ficamos olhando. Fumamos mais um pouco.

Quando é que vocês vão usar o material?, disse Zequinha.

Dia 2. Vamos estourar um banco na Penha. O Lambreta quer fazer o primeiro gol do ano.

Ele é um cara vaidoso, disse Zequinha.

É vaidoso mas merece. Já trabalhou em São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vitória, Niterói, pra não falar aqui no Rio. Mais de trinta bancos.

É, mas dizem que ele dá o bozó, disse Zequinha.

Não sei se dá, nem tenho peito de perguntar. Pra cima de mim nunca veio com frescuras.

Você já viu ele com mulher?, disse Zequinha.

Não, nunca vi. Sei lá, pode ser verdade, mas que importa?

Homem não deve dar o cu. Ainda mais um cara importante como o Lambreta, disse Zequinha.

Cara importante faz o que quer, eu disse.

É verdade, disse Zequinha.

Ficamos calados, fumando.

Os ferros na mão e a gente nada, disse Zequinha.

O material é do Lambreta. E aonde é que a gente ia usar ele numa hora destas?

Zequinha chupou ar fingindo que tinha coisas entre os dentes. Acho que ele também estava com fome.

Eu tava pensando da gente invadir uma casa bacana que tá dando festa. O mulherio tá cheio de jóia e eu tenho um cara que compra tudo que eu levar. E os barbados tão cheios de grana na carteira. Você sabe que tem anel que vale cinco milhas e colar de quinze, nesse intruja que eu conheço? Ele paga na hora.

O fumo acabou. A cachaça também. Começou a chover. Lá se foi a tua farofa, disse Pereba.

Que casa? Você tem alguma em vista?

Não, mas tá cheio de casa de rico por aí. A gente puxa um carro e sai procurando.

Coloquei a lata de goiabada numa saca de feira, junto com a munição. Dei uma magnum pro Pereba, outra pro Zequinha. Prendi a carabina no cinto, o cano para baixo e vesti uma capa. Apanhei três meias de mulher e uma tesoura. Vamos, eu disse.

Puxamos um Opala. Seguimos para os lados de São Conrado. Passamos várias casas que não davam pé, ou tavam muito perto da rua ou tinham gente demais. Até que achamos o lugar perfeito. Tinha na frente um jardim grande e a casa ficava lá no fundo, isolada. A gente ouvia barulho de música de carnaval, mas poucas vozes cantando. Botamos as meias na cara. Cortei com a tesoura os buracos dos olhos. Entramos pela porta principal.

Eles estavam bebendo e dançando num salão quando viram a gente.

É um assalto, gritei bem alto, para abafar o som da vitrola. Se vocês ficarem quietos ninguém se machuca. Você aí, apaga essa porra dessa vitrola!

Pereba e Zequinha foram procurar os empregados e vieram com três garções e duas cozinheiras. Deita todo mundo, eu disse.

Contei. Eram vinte e cinco pessoas. Todos deitados em silêncio, quietos, como se não estivessem sendo vistos nem vendo nada.

Tem mais alguém em casa?, eu perguntei.

Minha mãe. Ela está lá em cima no quarto. É uma senhora doente, disse uma mulher toda enfeitada, de vestido longo vermelho. Devia ser a dona da casa.

Crianças?

Estão em Cabo Frio, com os tios.

Gonçalves, vai lá em cima com a gordinha e traz a mãe dela.

Gonçalves?, disse Pereba.

É você mesmo. Tu não sabe mais o teu nome, ô burro? Pereba pegou a mulher e subiu as escadas.

Inocêncio, amarra os barbados.

Zequinha amarrou os caras usando cintos, fios de cortinas, fios de telefones, tudo que encontrou.

Revistamos os sujeitos. Muito pouca grana. Os putos estavam cheios de cartões de crédito e talões de cheques. Os relógios eram bons, de ouro e platina. Arrancamos as jóias das mulheres. Um bocado de ouro e brilhante. Botamos tudo na saca.

Pereba desceu as escadas sozinho.

Cadê as mulheres?, eu disse.

Engrossaram e eu tive que botar respeito.

Subi. A gordinha estava na cama, as roupas rasgadas, a língua de fora. Mortinha. Pra que ficou de flozô e não deu logo? O Pereba tava atrasado. Além de fudida, mal paga. Limpei as jóias. A velha tava no corredor, caída no chão. Também tinha batido as botas. Toda penteada, aquele cabelão armado, pintado de louro, de roupa nova, rosto encarquilhado, esperando o ano novo, mas já tava mais pra lá do que pra cá. Acho que morreu de susto. Arranquei os colares, broches e anéis. Tinha um anel que não saía. Com nojo, molhei de saliva o dedo da velha, mas mesmo assim o anel não saía. Fiquei puto e dei uma dentada, arrancando o dedo dela. Enfiei tudo dentro de uma fronha. O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci.

Vamos comer, eu disse, botando a fronha dentro da saca. Os homens e mulheres no chão estavam todos quietos e encagaçados, como carneirinhos. Para assustar ainda mais eu disse, o puto que se mexer eu estouro os miolos.

Então, de repente, um deles disse, calmamente, não se irritem, levem o que quiserem não faremos nada.

Fiquei olhando para ele. Usava um lenço de seda colorida em volta do pescoço.

Podem também comer e beber à vontade, ele disse.

Filha da puta. As bebidas, as comidas, as jóias, o dinheiro, tudo aquilo para eles era migalha. Tinham muito mais no banco. Para eles, nós não passávamos de três moscas no açucareiro.

Como é seu nome?

Maurício, ele disse.

Seu Maurício, o senhor quer se levantar, por favor?

Ele se levantou. Desamarrei os braços dele.

Muito obrigado, ele disse. Vê-se que o senhor é um homem educado, instruído. Os senhores podem ir embora, que não daremos queixa à polícia. Ele disse isso olhando para os outros, que estavam quietos apavorados no chão, e fazendo um gesto com as mãos abertas, como quem diz, calma minha gente, já levei este bunda suja no papo.
Inocêncio, você já acabou de comer? Me traz uma perna de peru dessas aí. Em cima de uma mesa tinha comida que dava para alimentar o presídio inteiro. Comi a perna de peru. Apanhei a carabina doze e carreguei os dois canos.

Seu Maurício, quer fazer o favor de chegar perto da parede? Ele se encostou na parede. Encostado não, não, uns dois metros de distância. Mais um pouquinho para cá. Aí. Muito obrigado.

Atirei bem no meio do peito dele, esvaziando os dois canos, aquele tremendo trovão. O impacto jogou o cara com força contra a parede. Ele foi escorregando lentamente e ficou sentado no chão. No peito dele tinha um buraco que dava para colocar um panetone.

Viu, não grudou o cara na parede, porra nenhuma.

Tem que ser na madeira, numa porta. Parede não dá, Zequinha disse.

Os caras deitados no chão estavam de olhos fechados, nem se mexiam. Não se ouvia nada, a não ser os arrotos do Pereba.

Você aí, levante-se, disse Zequinha. O sacana tinha escolhido um cara magrinho, de cabelos compridos.

Por favor, o sujeito disse, bem baixinho. Fica de costas para a parede, disse Zequinha.
Carreguei os dois canos da doze. Atira você, o coice dela machucou o meu ombro. Apóia bem a culatra senão ela te quebra a clavícula.

Vê como esse vai grudar. Zequinha atirou. O cara voou, os pés saíram do chão, foi bonito, como se ele tivesse dado um salto para trás. Bateu com estrondo na porta e ficou ali grudado. Foi pouco tempo, mas o corpo do cara ficou preso pelo chumbo grosso na madeira.

Eu não disse? Zequinha esfregou ó ombro dolorido. Esse canhão é foda.

Não vais comer uma bacana destas?, perguntou Pereba.

Não estou a fim. Tenho nojo dessas mulheres. Tô cagando pra elas. Só como mulher que eu gosto.

E você... Inocêncio?

Acho que vou papar aquela moreninha.

A garota tentou atrapalhar, mas Zequinha deu uns murros nos cornos dela, ela sossegou e ficou quieta, de olhos abertos, olhando para o teto, enquanto era executada no sofá.

Vamos embora, eu disse. Enchemos toalhas e fronhas com comidas e objetos.

Muito obrigado pela cooperação de todos, eu disse. Ninguém respondeu.

Saímos. Entramos no Opala e voltamos para casa.

Disse para o Pereba, larga o rodante numa rua deserta de Botafogo, pega um táxi e volta. Eu e Zequinha saltamos.

Este edifício está mesmo fudido, disse Zequinha, enquanto subíamos, com o material, pelas escadas imundas e arrebentadas.

Fudido mas é Zona Sul, perto da praia. Tás querendo que eu vá morar em Vilópolis?

Chegamos lá em cima cansados. Botei as ferramentas no pacote, as jóias e o dinheiro na saca e levei para o apartamento da preta velha.

Dona Candinha, eu disse, mostrando a saca, é coisa quente.

Pode deixar, meus filhos. Os homens aqui não vêm.

Subimos. Coloquei as garrafas e as comidas em cima de uma toalha no chão. Zequinha quis beber e eu não deixei. Vamos esperar o Pereba.

Quando o Pereba chegou, eu enchi os copos e disse, que o próximo ano seja melhor. Feliz Ano Novo.

Texto extraído do livro "Feliz Ano Novo", Editora Artenova – Rio de Janeiro, 1975, pág.

* Fonte: http://www.releituras.com/rfonseca_feliz.asp