Fonte: Valor Econômico
"Funciono por metáforas", avisou a senadora Marina Silva ontem de tarde durante a sua filiação ao Partido Verde, em uma casa de eventos de São Paulo. Em seguida recitou um trecho de Guimarães Rosa para situar os 30 anos de trajetória política no PT, encerrada há poucos dias: "Será que você seria capaz de se esquecer de mim, e, assim mesmo, depois e depois, sem saber, sem querer, continuar gostando? Como é que a gente sabe?". Enxugou lágrimas, comoveu as 1.200 pessoas da plateia e prosseguiu, saudando os colegas do novo partido com Santo Agostinho: "Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei. É que estavas dentro de mim e eu estava fora de mim!" A plateia se levantou e reagiu: "Brasil, urgente, Marina Presidente!".
Sua possível candidatura à Presidência da República em 2010 depende, agora, do que ela vem chamando há dias de "revisão programática do PV". O processo já foi disparado. A intenção é que o PV atualize o programa elaborado em 1994. Uma série de seminários pelo Brasil alimentará a proposta. A estratégia deverá também filtrar os quadros que surgiram mais para preencher o requisito da cláusula de barreira (5% dos votos na Câmara) do que por sintonia com a agenda verde. "Não se trata de nenhuma caça às bruxas", avisa o biólogo João Paulo Capobianco, braço direito de Marina Silva à época do Ministério do Meio Ambiente e uma das 21 pessoas que integram a comissão formada para dar conteúdo ao PV, rever seu programa e ao final, promover uma "repactuação". "Quem não estiver afinado terá que sair", explica Capobianco. Isto feito, uma convenção, no começo de 2010, poderá cravar o nome de Marina Silva à disputa presidencial.
"Não tenho mais a ilusão da juventude, do partido perfeito, mas acredito que homens e mulheres de bem podem aperfeiçoar as instituições", disse ela. "Alianças são heterogêneas em todos os partidos, isso não é privilégio do PV", contextualizou, para, em seguida, falar na estratégia de construção de alianças e que deve levar em conta mulheres, jovens, empresários, movimentos sociais, academia, evangélicos, católicos. "Não devemos fazer nenhum apartamento de classes", sugeriu.
Marina Silva contou que no processo de desligamento do PT ouviu que não podia promover seu projeto de desenvolvimento sustentável para o Brasil dentro do partido que ajudou a fundar. "Concluí que não queria mais o embate para convencer daquilo que o mundo inteiro já está convencido" e que "buscaria o encontro com os que já estão convencidos." Continuou: "Não é um novo caminho, é uma nova maneira de caminhar". Na entrevista coletiva depois da filiação, sugeriu: "Precisamos permitir que surjam novas lideranças, com novos pensamentos, novas linguagens".
Ontem, saudada como o novo e mais brilhante nome do Partido Verde, a filiação de Marina Silva dava nova estatura ao PV. "Para mim é um momento de esperança da renovação verde, em sintonia com uma onda mundial de renovação política, com ecologia, e que é maior que os partidos", festejava Thomas Fatheuer, diretor-executivo da Fundação Heinrich Boell no Brasil, ligada ao movimento verde alemão. "Vivemos um momento especial, conectado com o futuro" disse a francesa Catherine Greeze, deputada dos verdes no Parlamento Europeu. Mario Mantovani, diretor da SOS Mata Atlântica, era outro que comemorava: "Nunca tanta gente me pediu ajuda para montar plataformas políticas ambientais", disse. "O efeito-Marina explodiu."
"Marina extrapola o sentimento partidário", avaliava José Rubens Pereira Gomes, o presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), que reune 623 grupos sociais da Amazônia. "Quando ela se candidatou a senadora pelo Acre, a mobilização era nacional, nunca vi isto antes."
Mas os desafios, agora, estão em lente de aumento. O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) dava pistas. "Tratamos da Amazônia e do buraco da camada de ozônio, mas também devemos tratar de temas menos glamourosos na Europa como as nove milhões de crianças no Brasil sem saneamento básico. O PV tem que dizer algo sobre violência urbana, tem que propor algo neste sentido."
"Fico honrada com o convite para ser candidata e pelo acolhimento popular, mas a minha decisão só acontecerá em 2010", avisou Marina ao deixar a festa onde gente de cabelo verde e gente com cachorros vestidos com slogans se misturava a atores como Cristiane Torloni e Victor Fasano, militantes, políticos, representantes indígenas, estudantes, empresários, professores e ambientalistas.
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