Por Yorranna Oliveira e Gleidson Gomes
No centro da periferia de Icoaraci, a cerca de 20 km de Belém, na famosa Feira de Artesanato do Paracuri, uma personagem que já é folclórica se destaca em meio ao comércio de cerâmica. Dona Socorro, uma senhora de 49 anos, com fortes traços indígenas, camuflados pelos cabelos tingidos de castanho, trabalha na esquina da sexta rua com a Soledade, vendendo livros e revistas usados numa barraca de madeira, coberta por uma lona.
O trabalho de Socorro Albuquerque começa cedo. Moradora do Jurunas, sai de sua casa às 5h30 todos os finais de semana e feriados rumo a Icoaraci. Depois de pegar dois ônibus, chega à Vila Sorriso por volta das 7h30 e inicia uma rotina que já dura dez anos.
Essa história começa em 11 de agosto de 1998, quando a vendedora teve a idéia de colocar dez livros entre as roupas e sapatos usados. Com o tempo percebeu a procura cada vez maior pelos livros, daí abandonou à venda dos outros artigos. “Comecei colocando dez livros, aí as pessoas começaram a se interessar, a encomendar e eu dava o meu jeito de arrumar”, diz Socorro.
Da República de Emaús vem a maioria dos livros e revistas, comprados em sacas no valor de três a cinco reais. A outra parte é obtida por meio da troca e de doações de clientes. As revistas são vendidas por R$1,50, os livros variam de R$ 1,00 a R$ 7,00, dependendo do preço em Belém e do estado de conservação. Fora a capacidade de pechinchar do cliente. “Vou em Belém, pesquiso, e os livros que tão caros lá, eu vendo mais barato aqui. É uma forma de cativar os clientes, pra que eles sempre voltem”, afirma. E eles voltam mesmo. Atraídos pela simpatia de dona Socorro, pelo preço e pela variedade.
Na barraca, podem ser encontrados clássicos da literatura nacional,como Machado de Assis, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Fernando Sabino, José de Alencar, Caio Fernando Abreu - o repórter Gleidson Gomes, adquiriu em excelente estado, “Morangos Mofados”, por apenas R$ 1,50. E autores internacionais como Virginia Wolf, Morris West, Agatha Christie, James Joyce, Honoré de Balzac, Dostoiévski, Oscar Wilde, Truman Capote e Nietzsche, fora as literaturas específicas e as revistas, passando por Playboy, Caros Amigos, Super Interessante, Galileu, Época, Isto É, Veja, Bravo e Cult.
O serigrafista Gabriel Lisboa, 21, freqüentador assíduo há três anos da barraca da “Help” - como alguns a chamam, conheceu o local, como muitos, pela indicação de amigos. “Venho aqui todo final de semana. Gosto de comprar revista de quadrinhos e história. Além de ser o único local de Icoaraci que tem essas coisas, o preço também é bom”, diz.
O público da “Help” varia de advogados, médicos, professores, estudantes em geral, turistas, donas-de-casa e simples trabalhadores, como o senhor Francisco Sales, 43, pedreiro. “Ia passando um dia e vi a barraca. Parei pra dá uma olhada nas revistas de arquitetura. As revistas são caras nas bancas, aqui ela vende barato. O salário é pouco”, conta.
Uma década de convivência, transformou clientes em amigos. Segundo Socorro, essa relação é que a motiva a continuar seu trabalho. A barraca já lhe rendeu muitas histórias, como o casamento entre dois clientes que se conheceram no local. “Antes eles não se encontravam, porque vinham em dias diferentes. Até que um dia deu certo. Eles começaram a conversar, e no outro final de semana se encontraram de novo, aí marcaram encontro de namoro, né? E eu só ouvindo. E nisso eles foram, e sempre vindo aqui. Depois de um tempo marcaram o casamento e me convidaram pra ser madrinha. Não pude ser porque tinha um compromisso. Mas eles fizeram questão de trazer o bolo do casamento pra mim”, relembra.
Outra história construída é a de um cliente que aos poucos montou sua biblioteca particular graças aos livros adquiridos no sebo. Fatos assim, enchem Socorro de alegria, por participar de alguma forma da vida dessas pessoas. “Um cliente meu chegou um dia e disse pra mim: ‘Dona Socorro, eu tô construindo minha biblioteca graças a senhora’. Eu fiquei feliz de ouvir isso. Ser responsável por ele tá montando a biblioteca dele com o meu trabalho, isso me deixa feliz, faz com que eu tenha força pra vir pra cá, e continuar trabalhando”, declara.
Com um acervo de mais de 3.700 exemplares entre livros e revistas, a vendedora afirma que seu faturamento não passa de R$ 50,00 semanais. Quantia muitas vezes consumida com o pagamento do aluguel do local onde armazena os livros e alimentação, voltando para casa apenas com o dinheiro da passagem. Ela ainda faz doações do material para a Igreja do Livramento e para a escola Liceu de Artes e Ofícios Mestre Raimundo Cardoso, ambas em Icoaraci.
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