Yorranna Oliveira

Achei a imagem aí de cima pesquisando no Google. E ela define perfeitamente um pouco do que eu sou e da proposta do blog: tem de tudo um pouco, e um pouco de quase tudo o que gosto. Aqui você vai encontrar sempre um papo sobre música, cinema, comunicação, literatura, jornalismo, meio ambiente, tecnologia e qualquer outra coisa capaz de me despertar algo e a vontade de compartilhar com vocês. Entrem e divirtam-se!

quinta-feira, 30 de abril de 2009

“Ser repórter é um jeito de estar no mundo”


A repórter especial da revista Época, Eliane Brum, esteve em Belém, no dia 7 de abril, para ministrar a oficina “Em Busca do Personagem: Um olhar singular”, pelo projeto Rumos Itaú Cultural. O evento foi realizado no Instituto de Artes do Pará (IAP), onde Eliane concedeu entrevista a este blog.

Texto: Yorranna Oliveira
Foto: Adison César

Quando pisou pela primeira vez numa redação, em maio de 1988, usava botas de couro pretas até o meio da coxa, micro vestido xadrez de lã e a cabeça era quase careca. “Uma mulher dos anos 80”, avalia. Os colegas do jornal Zero Hora, de Porto Alegre (RS), fizeram apostas para ver quantos dias aquela mocinha punk duraria por lá.

Eliane acabara de ganhar um concurso universitário de jornalismo. Sua matéria retratava as filas que as pessoas enfrentam do nascimento até a morte. O prêmio: um estágio no jornal. “Os jornalistas disseram que o que eu fazia não era jornalismo. Os publicitários disseram que era, sim. Como havia mais publicitários que jornalistas, eu ganhei”, explica.

Os dias no jornal se transformaram em onze anos e revelaram uma das mais talentosas e premiadas jornalistas do Brasil.

Aos 42 anos de idade, quase 21 de carreira, e com os principais prêmios de jornalismo do país, como “Esso” e “Vladimir Herzog”, Eliane Brum inspira estudantes e profissionais da área pelo modo como encara essa forma de vida chamada reportagem.

Para Eliane, ser repórter é fazer “o exercício constante da dúvida”, onde precisamos questionar nossas certezas e as dos outros. Assim como devemos olhar de verdade para o outro, porque “olhar para ver é um ato de insubordinação” e escutar por completo as histórias que nos são honradas. Afinal, “quando as pessoas param de falar, elas continuam nos contando”, ensina.

A mulher de fala mansa e jeito de moleca, e que acorda todos os dias com a esperança de viver uma grande aventura, compartilha conosco suas experiências na literatura da vida real. Sim, porque Eliane se considera uma escritora de histórias reais.

Veja os melhores trechos da entrevista:

Yorranna Oliveira - O que é o jornalismo para você?
Eliane Brum - É o que eu sou. Ser repórter define minha vida. É um jeito de estar no mundo. O que me interessa no jornalismo é ver como as pessoas dão sentido as suas vidas, a capacidade de reinvenção. Acho que assim eu dou sentido a minha vida.

Uma boa matéria?
É aquela que tem uma escuta ampla da realidade, que traz para o leitor a dimensão da complexidade do real.

O que é preciso para ser um bom repórter?
Um bom repórter é aquele que sabe escutar, que duvida de suas certezas e não se deixa enganar pela banalidade do cotidiano.

Você é uma repórter que faz jornalismo literário, algo pouco comum nas redações. Dá para fazer esse jornalismo na correria da cobertura diária?
Não gosto de me catalogar, sou jornalista. Fico feliz quando me reconhecem assim, fico honrada. O tempo não é desculpa. Claro que, às vezes, você precisa brigar por ele, mas ele não é determinante. Um exemplo bem simples foi quando fiz uma matéria para o jornal (Zero Hora) sobre a inauguração do MC Donald’s em Porto Alegre - para você ver como sou velha (risos). Foi a primeira vez que começaram a reparar no meu texto. Quando cheguei, percebi que havia muitos velhinhos na praça onde seria a inauguração. Eu sempre tento dar a volta, ver a coisa por outro ângulo, literalmente. Então, resolvi contar a chegada daquilo pelo olhar dos velhos. A matéria saiu com todos os números, quantos hambúrgueres foram vendidos e como os velhos viam aquela passagem do tempo e a chegada da modernidade.

Cada reportagem é uma transformação, porque cada vez que contamos as histórias dos outros nos transformamos. Qual a reportagem que mais a transformou?
São tantas, mas vou pela mais recente, a que fiz para a Época ano passado [A mulher que alimentava] com a Ailce. Eu acompanhei a vida dela durante 115 dias até sua morte. Ailce mudou até o meu jeito de viver. Ela viveu intensamente. Eu não gostava de falar de morte. Comprei meu túmulo nas férias, no lugar que escolhi para ser enterrada.

E onde fica?
Num lugar chamado Barreiro, em Ijuí, no interior do Rio Grande do Sul. Foi lá que passei os dias mais incríveis da minha infância, se tenho um lugar no mundo, é lá. O cemitério fica na colina, meu túmulo fica embaixo de uma árvore. Um lugar silencioso, um silêncio que quase se pode tocar. Comprei o túmulo pelo preço de uma vaca. Dei a vaca para uma festa.
Meu pai [Argemiro] me levava para visitar o túmulo da professora dele, Luzia. Ela trouxe as letras para minha família. Meu pai foi o primeiro da família a ler e escrever. Isso abriu o mundo para ele e para mim.

Você acha que a sensibilidade é algo que se possa desenvolver com o tempo?
A vida é um vir a ser. Se tornar aquilo que a gente é. A gente desenvolve a sensibilidade olhando, estando aberto. Precisamos ter coragem de errar, a gente está nessa vida para tentar. O problema é que se leva tanta porrada nesse mundo que a gente embrutece. Mas a gente não pode deixar isso nos embrutecer, continua te abrindo. Se abre, se entrega, se joga.

Seus textos são marcados por emoção. Como escrever com sentimento sem ser piegas?
Apuração. Quando não tem apuração, você corre mais risco de ser piegas. A apuração te dá as informações precisas e aí você não precisa ficar fazendo firulas.

Qual o seu olhar sobre a Amazônia?
Existem tantas Amazônias, e eu não conheço quase nada... Eu sou fascinada. As coisas mais maravilhosas que vivi foram na Amazônia. Foi onde “mais para dentro” do país eu fui. Fui mais para dentro de mim mesma. A Amazônia te exige isso, que expandas teus limites. Todo dia tu descobres o que tu és. Eu voltei mais eu.

Um jornalista da Amazônia? Por quê?
Lúcio Flávio Pinto. Gosto do trabalho dele, acho importante o que ele faz. Tem o Altino Machado também, com o trabalho que ele faz com o blog dele no Acre.

Você é contra ou a favor do diploma em Jornalismo?
Tenho dúvidas. Só não tenho dúvida de que a faculdade de jornalismo precisa melhorar, tem muitas questões éticas que precisam ser discutidas e a universidade é o melhor espaço para isso.

Leia aqui matérias de Eliane Brum:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI10410-15257,00-A+MULHER+QUE+ALIMENTAVA.html

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG66781-6014,00-O+POVO+DO+MEIO.html

4 comentários:

Renata Reis disse...

Muito bacana a matériaaaa
Parabéns gata
=)
Saudades de ti

Yorranna Oliveira disse...

Valeu Renatinha, saudades de vc também amiga e de nossas bagunças no carro da redação.

Eliane Brum disse...

Yorranna,
muito obrigada pelo carinho e pela generosidade da escuta!
Tenho certeza que nos encontraremos em coberturas pelas estradas do Brasil!
E boa sorte na melhor profissão do mundo!
beijo grande
Eliane

Yorranna Oliveira disse...

Fico honrada com seu comentário,Eliane, de verdade. Obrigada pelos votos sobre a profissão, na melhor do mundo mesmo. Não me imagino fazendo outra coisa na vida e continuarei tentando escutar o máximo possível as histórias dos outros. Sempre!