Amante da vida e das artes, que fez do teatro sua grande paixão. Assim era o teatrólogo, poeta e escritor, Ramon Stergmann, falecido na noite do último domingo (23), de falência múltipla dos órgãos, em Belém. Autor de inúmeras obras, fundou, ao lado de Walter Lima, o Grupo Teatral Maromba, e se tornou referência na cena artística paraense, pela maneira característica de encarar e construir seus trabalhos. Por ele, passaram gerações de atores, hoje reconhecidos e sucesso de crítica. Todos forjados pelo lema guia: disciplina, seriedade e profissionalismo.
Nomes como Wlad Lima, Alcir Santos, o aluno e amigo Walter Lima, entre outros. Testemunhas do artista inventivo e dedicado, aprenderam com ele as técnicas da encenação. Ramon dominava como poucos os palcos. Atuava, dirigia, escrevia, roteirizava, concebia cenário e figurino. Pensava em cada detalhe das cenas. E procurava formar atores completos. Para ele, um bom ator não deveria apenas saber o texto na ponta da língua. Stergmann queria emoção, densidade, amor e alma no palco. Sempre dizia: “Não quero ator mercenário, que procura no teatro brilho e dinheiro. Quero uma pessoa humana, na busca de fazer a arte pela arte”.
Desde criança já demonstrava interesse pelo mundo das artes. Adorava desenhar e brincar de teatrinho. Aos 13 anos deu os primeiros passos na dramaturgia, quando começou a escrever poemas e contos sobre os hábitos e costumes amazônicos, temática predominante durante os 50 anos de carreira, dos quais 37 foram vividos como membro do Grupo Maromba.
Ainda na adolescência integrou o Teatro Operário do Sesi, sob direção de Claúdio Barradas, de onde iniciaria sua participação no movimento artístico local, para nunca mais abandoná-lo.
Premiado tanto no teatro como na literatura, também tinha talento nas artes plásticas. Pintava quadros e telas, se utilizando de diversos materiais. “Se pudesse virar arte, lá estava ele. O Ramon era multiuso. Eu costumava chamá-lo de bombril, servia para tudo, fazia tudo”, relembra a filha, Izabel Baia.
Chamado de mestre pelos alunos-discípulos, a dedicação do diretor o levou a transformar a casa num espaço quase, inteiramente, voltado para o teatro. A sala ampla e arejada, com dois grandes sofás, servia de local de ensaio. Um templo sagrado, onde o ator recebia de braços abertos amigos e pupilos.
Na intimidade
Há quadros por todo lugar, cada cantinho da casa parece respirar a paixão de Stergmann. Num dos quartos da residência, quando se entra, logo nos deparamos com uma parede repleta de diplomas, certificados e homenagens. Duas grandes estantes comportam documentos, álbuns de fotos, troféus, premiações, arquivos de contos, poemas, roteiros, projetos, muitos projetos.
Outra estante com as premiações e homenagens ao escritor decora uma das poucas paredes sem imagens. Em uma mesa, mais álbuns e a velha máquina de escrever, da qual saíram todas as criações do dramaturgo. Em outras duas paredes, que formam um pequeno corredor dentro do quarto, dezenas de fotografias de espetáculos, de fases da vida do autor, como a da cerimônia na qual se tornou membro da Academia Paraense Literária Interiorana, ocupando a cadeira nº 07, tendo como patrono Antônio Tavernard.
Nesse ambiente íntimo, vivia com a filha de coração, Isabel - seis anos cuidando do artista. Não teve filhos biológicos. De pai e mãe já mortos, tinha remoto contato com outros parentes. No entanto, adotou como filhos seus discípulos. Eles sempre estavam pela casa, ajudando, pedindo conselhos, ouvindo Ângela Maria - cantora preferida de Ramon -, ou assistindo com ele o programa Mulheres. “Ele não perdia nenhum programa. Porque tem uma parte sobre pintura. Ele adorava. Chegava até a me ligar, pra saber se eu estava vendo a 'aula'”, conta Andreza Pinto, há 10 anos no Maromba.
Outro filho de Stergmann é o também ator Edinelson Monteiro, 32 anos. Edinelson conheceu Ramon há 14 anos, durante as apresentações do diretor no interior do Estado, e desde então participa das montagens. Caso da peça “A Mercadora de Almas”, encenada em 2007, no Teatro Maria Sylvia Nunes, projeto vencedor do Prêmio Maria Muniz de Teatro. Ao definir o mestre, ele pára, baixa a cabeça, engole o início de um choro e fala: Ele era o nosso pai. Um homem de grande autoridade e inteligência”.
Ao lado dele, Isabel e Andreza tentam medir em palavras o valor da experiência de o terem conhecido. Andreza, com lágrimas nos olhos, procura a frase ideal. “Ele sabia cativar as pessoas, era muito alegre e tinha muita vontade de viver. Isso ficará guardado”, afirma. Na visão de Isabel Baia, o poeta representa sua fonte inspiração em qualquer momento. “Ramon é meu exemplo de vida, meu mestre, meu pai, meu amigo. Brincalhão que só ele, sempre vou lembrar dele e da minha filha na mesa fazendo palhaçada. Vou lembrar de uma eterna criança”, completa.
De amar
Walter Lima, músico, ator e escritor, também lembra com carinho e respeito o amigo de longa data. Walter foi um dos últimos amigos a ver em vida o diretor. “Comecei com ele, como contra-regra. Aprendi os rudimentos do teatro e tudo o que sei com ele. É uma pena perdermos alguém assim. Mas, ele conseguiu se despedir. No domingo, me chamou até a casa dele para discutirmos os detalhes de nossa viagem para Bujarú, que seria agora [a partir do dia 29 de novembro]. Almoçamos, ele me colocou para sentar na cabeceira da mesa. Achei esse gesto muito tocante. Me emocionou, ainda mais agora. Tiramos fotos nesse dia, celebramos o momento. Bebemos, rimos, todos juntos. Voltei pra casa e logo depois, a Isabel me ligou dizendo que ele estava morto. Pensei que era brincadeira, mas pra minha tristeza, não”, conta.
Os amigos tinham um laço de amizade tão forte, que mesmo depois de Lima ter se distanciado do Maromba, por envolver-se em outros projetos mais ligados à área musical, ambos continuaram a manter união. Em setembro de 2005, Stergmann escreveu um poema ao colega, intitulado “Viola da Lua Cheia”. Num dos trechos mais comoventes, o poeta demonstra o amor fraternal dos dois.
“Ei mano! Toca mais esta música deste chão que nos marcou:
esse menino que tá na roda é de amar. De amar sem morrer de amor!...”
Memória
Paulo Santana, ator e diretor do Grupo Palha, produziu um vídeo em homenagem a Carlos Alberto Ferreira Bitencourt, o Ramon Stergmann – nome artístico, herdado do avô de quem emprestou o sobrenome, de origem alemã. Paulo tomou a iniciativa após perceber a falta de arquivos sobre o teatrólogo e outros personagens importantes do Pará. O título do documentário leva o nome do homenageado. Segundo Santana, o qual já realizou vários trabalhos em parceria com Stergmann, o documentário tem como proposta preservar a memória curta da cidade sobre personagens importantes. “Ramon escreveu para mim 'Tatu da Terra', um espetáculo com temática regional e muita poesia. Sou apaixonado por teatro com poesia. E isso, ele tinha de sobre”, destaca.
De grande conhecimento e domínio técnico, o artista repassava isso adiante. Quando atuava, mostrava força dramática, conquistando a atenção do público. As perfomances no palco distanciavam a pessoa humana de saúde frágil, afetada pela hanseníase e o diabetes. Com medicação controlada, as doenças não limitaram a capacidade criadora. Lições preservadas por Evanildo Mercês, 28 anos. Ator, Evanildo o teve como professor, na sua iniciação teatral, em meados de 1997. De acordo com Evanildo, o dramaturgo até hoje representa o referencial nos seus trabalhos. “Tínhamos uma relação de troca. A sabedoria e segurança dele me trouxeram muito crescimento. Foi fantástico ter trabalhado com ele. Tomara que agora o reconheçam. Já que, a maioria das pessoas talentosas só consegue isso depois de mortas. Agora, talvez vasculhem os tesouros do Ramon e descubram o talento dele”.
Constantemente na ativa, Ramon Stergmann havia encenado no início de novembro, no Teatro Maria Sylvia Nunes, o monólogo “Um buraco no quintal”, foi a saída de cena. Os integrantes do Maromba pretendem continuar o trabalho do grupo . Nos instantes finais de vida, ele só fez um pedido: “Não deixem minha obra morrer”.
*Texto antigo, publicado dia 30 de novembro no Jornal Público, onde trabalho.
Nascimento: 06/08/1943
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Meu Berro Boi
Ver de (é escrito assim mesmo)Ver-o-peso (roteiro original foi escrito por ele,chegou a se chamar Meu saudoso Ver-o-peso)
Ao Toque do Berrante
By Byê Mara
Povo de Arribação
Boto de Tucuxi
O Mundo de Ernestino Góes
Esse lixão é Nosso e Urubu Não Leva
Um Buraco no Quintal
Cristos da Terra
Efemérides de Andrógeno
O Santo Espantalho
A Santa Senhora de Almas
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