Yorranna Oliveira

Achei a imagem aí de cima pesquisando no Google. E ela define perfeitamente um pouco do que eu sou e da proposta do blog: tem de tudo um pouco, e um pouco de quase tudo o que gosto. Aqui você vai encontrar sempre um papo sobre música, cinema, comunicação, literatura, jornalismo, meio ambiente, tecnologia e qualquer outra coisa capaz de me despertar algo e a vontade de compartilhar com vocês. Entrem e divirtam-se!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Dez anos de Arrastão do Círio


Fonte: Assessoria de Imprensa/Instituto Arraial do Pavulagem
Foto: Karina Paes

Hora do almoço em Belém do Pará. Véspera do Círio de Nazaré. Fogos explodem no céu. As ruas próximas à Estação das Docas estão entupidas de gente. Buzinas enlouquecem os ouvidos. O sol e o calor castigam. Músicos com instrumentos de percussão, pessoas com brinquedos e adereços de miriti, papel e garrafas pet, homens e mulheres em cima de pernas de pau. Dia de Arrastão do Círio, o cortejo que reverencia a Virgem de Nazaré, o universo ribeirinho, os brinquedos de miriti, o trabalho dos artesãos, a cultura popular. Há um colorido vertiginoso na paisagem.

Neste sábado, 9 de outubro, o Arrastão do Círio completa dez anos de homenagens à padroeira dos paraenses e da Amazônia. O Cortejo só inicia quando Nossa Senhora aporta em terra firme, vinda do distrito de Icoaraci, em Belém. É o término da Romaria Fluvial. Nesse momento, fé e festa se encontram enquanto os músicos do Batalhão da Estrela tocam o hino do Círio de Nazaré – “Vós sois o Lírio Mimoso” -, no ritmo da Marujada de Bragança. Eles são acompanhados pela voz de um público que abarrota as ruas ao redor e se espreme na tentativa de ver, tocar, tirar uma foto da imagem, gravar o instante de homenagens.

“É o que nos liga ao Círio de Nazaré. Nós, assim como o Auto do Círio e a Festa da Chiquita, já estamos atrelados a ele. O Arrastão é inspirado nesse cenário plástico e artístico dos brinquedos tradicionais, como o roque-roque, o soca-soca, a girândola, que estão presentes no cortejo. É uma imersão na tradição popular do Círio”, afirma Júnior Soares, músico do grupo Arraial do Pavulagem.

A Santa vai embora depois da homenagem e o Arrastão do Círio segue por outro destino. Ele percorre o Ver-o-Peso em direção à Praça do Carmo, no bairro da Cidade Velha. E o povo vai junto, cantando, dançando, pulando ao som de boi-bumbá, pássaro, mazurca e carimbó. E com direito a banho de cheiro na Feira do Ver-o-Peso.

Este ano, a cobra grande de miriti, símbolo da homenagem e que faz alusão à corda dos promesseiros, do Círio de Nazaré, será substituída por uma cobra feita de garrafas pet. O trabalho, realizado por artesãos da capital paraense, garante maior resistência do brinquedo às apresentações, mostra a possibilidade de criação a partir de outros materiais, além de reafirmar o caráter sustentável cada vez mais presente nas ações do Instituto Arraial do Pavulagem. Mas os demais brinquedos de miriti permanecem no cortejo.

Quem participa da festa vem dos mais diversos cantos do Pará, do Brasil e do mundo. É gente que vem para o Círio e fica sabendo do lado cultural e profano do evento. Gente que vem para a Romaria Fluvial e resolve ver aonde vai parar toda aquela alegria, todo aquele colorido e agitação. Gente que vem amanhecida do Auto Círio, e que ainda pretende participar logo mais à noite da Trasladação, ficar na Festa da Chiquita e no dia seguinte ainda tem pique para acompanhar o Círio. Haja fôlego. E tem gente que vem só para o Arrastão mesmo.

Ao chegar à Praça do Carmo, os músicos do grupo Arraial do Pavulagem continuam a festa, num palco montado para receber atrações musicais de várias partes de Belém e do Estado. Todos para também homenagear Nossa Senhora, tocando os ritmos da região amazônica.

Bastidores
O cortejo sai pelas ruas de Belém, graças ao trabalho do Instituto Arraial do Pavulagem, com o apoio da Prefeitura Municipal. O Instituto é hoje um ponto de cultura, o “Arraial do Saber”, do Ministério da Cultura. Ao longo do ano, ele promove outros cortejos: o Cordão do Peixe – Boi em fevereiro, no Carnaval, e o Arrastão do Pavulagem em junho, para comemorar a Quadra Junina. E o Boi Orube, do Conjunto Satélite, também ajuda a dor o tom e a sonoridade da festa.

O Arrastão do Pavulagem é o mais antigo de todos. Ele começou em 1987, da iniciativa de um grupo de músicos e compositores paraenses com um traço em comum: valorizar e divulgar a música de raiz feita na Amazônia e construir uma relação mais próxima com o público. Com esse intuito, o grupo iniciou uma brincadeira aos domingos na Praça da República, usando a alegoria de um boizinho na tala para atrair o público presente para apresentação musical, no palco do Teatro Experimental Waldemar Henrique. Os cortejos de cultura popular, os “Arrastões do Pavulagem”, começavam aí.

Como a bateria numa escola de samba, os integrantes do Batalhão da Estrela são os responsáveis por dar o tom ao cortejo. O Batalhão é formado por percussionistas, pernaltas, dançarinos, pessoas que carregam materiais, água e os músicos do grupo Arraial do Pavulagem. Gente jovem, gente velha, que gosta de rock, samba, axé, forró, música clássica e de Arraial do Pavulagem. Gente que mora nos mais diversos bairros da região. Gente que nasceu, escolheu ou foi escolhida pela Amazônia para morar, como a inglesa Kezia Lavan, de 33 anos. Ela é violinista, e toca percussão no cortejo. Há um ano morando em Belém, e depois de cinco meses no município de Curuçá, no interior do Estado, o choque cultural para Kezia nem existe mais. “Já acostumei”, diz a professora de inglês, com o sotaque carregado.

O Batalhão ensaia quase o ano inteiro. Participa de oficinas de percussão, dança e artes circenses, promovidas pelo Instituto Arraial do Pavulagem, através do Ponto de Cultura Arraial do Saber, para fazer bonito nas apresentações. O músico Rafael Barros, de 35 anos, comanda essa ‘orquestra’ de rua. É ele quem dita o ritmo e as variações da percuteria (mistura de elementos de percussão com os de bateria) do Batalhão. Há cinco anos no Arraial, ele foi convidado só para dar uma oficina de percussão no Instituto. Depois vieram os convites para ensaiar o Batalhão da Estrela e para participar da banda. “As coisas foram acontecendo e estou aqui até hoje. O Batalhão consegue agregar as pessoas. Ele tem universitário, serviços gerais, médico, advogado. Tem gente que toca heavy metal e toca no Batalhão. Tem gente que vai pra Timbalada, mas gosta do Arraial. O Batalhão tem isso, da pessoa querer estar aqui”, analisa.

Cultura popular
Não precisa ser artista profissional para participar das atividades do Instituto Arraial do Pavulagem, basta querer e se inscrever para as oficinas no site do Instituto. O espaço é aberto a todos. “Um dos grandes objetivos do Arraial é passar o conhecimento da cultura popular para as pessoas. Isso é a verdadeira democracia. Desde Platão, ele já dizia que só há democracia quando o povo participa de fato das discussões. E o Arraial faz isso com as pessoas, por isso que ele é uma das referências em cultura popular na Amazônia. Acredito que muitas pessoas nunca tinham ouvido falar em samba de cacete, por exemplo. O Arraial faz um resgate desses ritmos e passa para o público”, avalia Mário Valmont, de 29 anos, servidor público em horário comercial, e tocador de caixa de marabaixa no Batalhão da Estrela.

Ícaro Barbosa é um desses olhos que brilham. Aos 21 anos, ele estuda Engenharia Florestal e desde criança assiste às atividades do Arraial do Pavulagem. Em 2010, participa pelo segundo ano consecutivo das movimentações do Instituto Arraial do Pavulagem, ali, dentro do Batalhão da Estrela, do alto de sua perna de pau - elemento com um significado muito específico no cortejo.

“A gente [pernaltas] tem a função de controlar o público, pra que ele não esprema o Batalhão, porque como é muita gente e é na rua, andando, dançando, fica difícil as pessoas caminharem. A gente é como se fosse uma barreira, pra que o Batalhão não seja esmagado, além da questão estética também. Eu sempre fico tenso, porque sempre tem criança que puxa a gente, acha bonito e diz: ‘olha mãe, olha o menino na perna de pau!’ E puxa a nossa perna com tudo. Tem mãe que pede pra gente carregar o filho pra tirar foto. Mas não tem como, se não a gente cai. É muito engraçado“, comenta.

Ícaro diz isso com uma empolgação que só vendo. Aliás, em tese, ele nem deveria participar do Arrastão do Círio este ano, muito menos dos ensaios. “Há duas semanas peguei uma bronquiopneumonia, nem deveria tá aqui, mas estou. Não tem como não vir, porque é uma coisa que faz parte da vida da gente, não dá pra você negar, não vir. Aqui a gente se diverte, tu encontras os teus amigos. E assim como toda a forma de arte, quando tu gostas, não tem como tu deixares de vir”.

Serviço:
Arrastão do Círio 2010
Data: 9 de outubro, véspera do Círio de Nazaré
Local: Belém do Pará, na escadinha da Estação das Docas.
Horário: Concentração a partir das 10 horas
Endereço: Av. Boulevard Castilho França, s/n – Bairro da Campina
Site: www.arraialdopavulagem.com.br

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